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Conto de Terror: Quando as Crianças Ficam Sozinhas.


Quando as Crianças Ficam Sozinhas.

ouça o podcast sobre o processo de escrita desta história em: https://www.youtube.com/watch?v=oyEiku9gdMM

Classificação recomendada de idade: 14 anos.

Era uma noite como outra qualquer, o céu estava repleto de nuvens e o ar tinha um cheiro limpo e cortante, típico de noites geladas, e cada respiração formava pequenas nuvens a sua frente, que se dissipavam rapidamente ao vento. As árvores, despidas de suas folhas como esqueletos retorcidos, com galhos que balançavam levemente, variando ao sabor do vento.

Era noite de gala e os pais, Antony e Estela, estavam atrasados. A festa de gala começaria em menos de uma hora e, entre as roupas para vestir e os presentes para levar ao carro, a última coisa que tinham planejado era o atraso da babá.

— Ela está a caminho — disse a mãe, gritando do quarto, enquanto abria o armário para pegar um casaco verde escuro.

— Te peguei, mamãe!!

Disse Matheus pulando de dentro do armário de repente.

— Que susto, Matheus! Você sempre me assusta! — disse a mãe, bagunçando os cabelos ruivos do menino, com um sorriso no rosto.

— Vamos, meu bem! — chamou o pai, já impaciente, olhando o relógio na parede.

— Estou indo! e pegando a mão do pequeno Matheus, o levou para a sala, chamando por Maria.

— Maria, fique de olho no seu irmão. Já estamos indo — A mãe soltou a mão quentinha do garotinho e correu no vento gelado até o carro, acenando de volta para os filhos que estavam olhando pela janela da sala.

A casa parecia maior e mais vazia do que o normal. Sem os passos firmes dos pais, os corredores ecoavam até a mínima invasão do vento que se infiltravam por uma janela mal fechada. Os irmãos — uma menina de doze anos e um menino de cinco — ficaram sentados no sofá, agarrados às almofadas, esperando.

— Você ouviu, a babá já vai chegar, espero que traga torta de novo — disse Maria ao irmão mais novo.

O celular tocou. A menina atendeu rapidamente, mas a linha estava muda.

— Alô? alô? Deve ter sido um engano — disse ela ao irmão.

Maria era uma mocinha bastante ansiosa, com os cabelos castanhos enroladinhos e óculos redondo, ela tentava parecer adulta mesmo sem ideia do que estava fazendo.

No entanto, a verdade era outra: algo na casa já parecia... errado. O relógio continuava marcando os minutos com uma lentidão sufocante, os ponteiros se arrastavam como se já não quisessem mais trabalhar. Os irmãos decidiram ligar para os pais, mas não havia sinal no celular. A conexão estava fraca.

— É só o vento, deve ter cortado o sinal — dizia Maria, sem acreditar muito em suas próprias palavras.

Lá fora, a babá nunca chegou. No caminho, enquanto atravessava a rua deserta com sua bolsa estendida no ombro, ouviu um som. Algo entre um assobio e um rosnado. Virou-se, mas não viu ninguém. O poste de luz acima dela piscou e apagou. No escuro, um sussurro frio e arrastado chegou perto demais do seu ouvido:

— Eu estou com fome, com muita fome! 

A pobre mulher sofria do coração e no momento em que viu a criatura...

O Umbra olhava a casa, e com passos arrastados, coluna torta e salivando. Arranjando uma janela de vidro com suas unhas quebradas, ele observava as crianças na sala, elas eram muito mais fáceis de assustar.

— Tão sozinhas, criancinhas... — murmurava ele, enquanto escalava a casa com facilidade.

— Ouviu isso? — disse Matheus, com os olhos arregalados. — Maria, eu estou com medo!

— Não é nada. É só as árvores balançando. Para com isso, está me assustando!

Uma janela esquecida aberta à noite era tudo o que o Umbra precisava. A brecha era pequena, mas ele se contorcia e deslocava o corpo de forma grotesca para passar por ela. No banheiro, pisou com cuidado para não derrubar nada. Lentamente, caminhou pelo corredor até a sala.

Chegando lá, encontrou o sofá vazio. Ouviu um som vindo do andar de cima: risadas abafadas.

— Vamos fazer uma cabana com esse lençol! — disse Maria, entregando a ponta do lençol para Matheus.

Umbra subiu as escadas com calma, arrastando as unhas pelo chão. O gato da casa miava baixinho, encarando uma criatura com olhos vidrados. Finalmente, ele chegou à porta do quarto, segurando a maçaneta contorcendo os longos dedos magros... 

O quarto de Maria era roxo com rosa, os móveis brancos com bichinhos de pelucia por toda a cama, uma luz branca do abajur clareava uma parte do quarto, enquanto eles se escondiam em uma pequena cabana feita de lençóis brancos com florzinhas, os meninos contavam piadas e brincavam com a luz da lanterna de brinquedo de luz amarelada.

Umbra sentia o cheiro de lavanda que vinha de um pequeno humidificador de ar que estava na prateleira, mas o cheiro do medo de Maria era mais atrativo pra ele, abriu a porta com lentidão, a porta não fazia qualquer barulho, um pequeno espaço na parte de cima do guarda-roupa era tudo o que ele precisava para se esconder e observar e ali, começar a mexer com a cabeça dos pequenos.

— Maria, agora eu acho que ouvi algo! — disse Matheus agarrando uma das pelúcias que estava na cabana. 

Maria também ouviu um arranhado no teto, mas tentou não demonstrar, olhando nos olhos de Matheus disse:

— Eu não ouvi nada, mas mesmo se for algo, deve ser só um rato, você sabia que o vizinho guarga milho na garagem? — Maria fez uma imitação do vizinho segurando uma pelúcia, como um louco alisando os ratos.

O Umbra arranhou novamente e dessa vez o ruído foi tão alto que não podiam negar, o som estridente das unhas de Umbra passando na porta do quarda-roupa fez com que as criancas congelassem de medo, sem conseguir movimentar um dedo se quer, após alguns segundos, Maria com muito esforço agarrou no lençol branco e abriu de uma vez, revelando o quarto vazio e perfumado.

— Fique aqui, eu vou ver se foi o gato — disse Maria entregando a lanterna a Matheus  e caminhando em direção a porta, estava tão assustada que nem percebeu que estava aberta, olhou cuidadosamente o corredor que parecia sem fim, caminhou com passos leves até a escadaria, onde o gato rolava no carpete, mostrando sua barriguinha cinza, Maria sabia que aquele som não foi provocado pelo gato e muito menos pelos ratos, tremendo de medo, olhou o celular sem sinal e sentiu que alguém a acompanhava, virou rapidamente para trás, viu Matheus com os olhos cheios de lagrimas.

— Matheus, eu disse pra ficar lá — disse Maria pálida e assustada.

—  Quando você saiu, eu ouvi algo rosnado baixinho e um cheiro de coisa podre.

 No corredor havia uma mesinha com flores, Umbra seguia as crianças pelo corredor, escondido debaixo da mesinha, olhava atentamente os movimentos feitos por elas, que desciam correndo as escadas, pulando no sofá com os olhos arregalados.

Na sala havia um sofa e duas poutronas, uma lâmpada da cozinha clareava boa parte da sala, e as luzes da rua criava sombras por toda a sala. Enquanto tremiam de medo, sentiam que algo as vigiavam, e entre choramingos e dentes batendo, Umbra ficava mais forte ao se alimentar do medo das criancinhas, aos poucos, sua forma foi surgindo de uma sombra feita pelas àrvores, a forma de um humanoide magro alto, corcunda e de longos dedos se aproximava de Maria, que olhava sem acreditar no que via, seus dedos longos e quebrado se aproximavam do rosto da garota e com um grito estridente, Matheus segurou a mão de Maria e puxando-a correram para a cozinha, saindo pela porta dos fundos, deixando o vento congelante entrar na casa.

O quintal da casa era grande e sem tela nos fundos, e pulando por cima dos brinquedos no quintal, chegaram a um bosque com árvores grandes. Maria e Matheus correram pelo quintal, o vento frio cortando seus rostinhos avermelhados e molhados de lagrimas. No bosque, as sombras das árvores pareciam vivas, movendo-se de forma errática sob a luz da lua que começava a surgir entre as nuvens.

— Está tudo bem agora, Matheus. Estamos longe da casa — disse Maria, tentando acalmar o irmão enquanto o abraçava com força.

Mas Matheus não respondia. Seus olhos estavam fixos em algo que se aproximava constantemente atrás de Maria.

— Ele... Ele está aqui... — sussurrou o menino, apontando para o Umbra com o dedo onde havia um band-aid verde.

A cada passo, o som de galhos se quebrando e folhas sendo arrastadas ficava mais alto. Era como se o Umbra estivesse em toda parte, ecoando através das árvores.

As crianças continuariam correndo e  finalmente, chegaram a uma clareira. No centro, havia uma velha árvore com um tronco retorcido e um buraco escuro no meio, que parecia um portal para o abismo. Maria parou, ofegante, enquanto Matheus olhava para a árvore, como se estivesse hipnotizado, olhando para algo que só ele conseguia ver naquela escuridão, ele já não respondia a Maria.

— Não, Matheus! Não olhe! — disse ela, segurando o irmão pelo braço.

Mas era tarde demais. O Umbra emergiu das sombras, sua presença cada vez mais palpável. Ele estendeu um braço longilíneo em direção a Matheus. A árvore parecia chamá-los, e o garoto obedecia sem fazer qualquer esforço para evitar o chamado. 

 — Agora já não tem pra onde fugir — Umbra se aproximava lentamente, olhando fixamente para Maria que estava exausta. Os olhos de Umbra eram vazios e escuros com dois buracos sem fundo, lá, Maria via um lugar tranquilo, com flores e outras crianças. Hipnotizada também, comecou a seguir Umbra para dentro da árvore escura, quando passaram pelo portal, a árvore fechou e a realidade mudou por completo, e lá estavam elas num poço escuro e humido onde Umbra um dia foi sacrificado pelos seus crimes contra a sua comunidade.

O poço não era apenas um buraco; ele pulsava com uma energia antiga e cruel. As paredes de pedra estavam cobertas por símbolos gravados à força, e um cheiro de mofo misturado a algo mais pútrido preenchia o ar.

Maria, agora quase sem forças, segurava Matheus pela mão, mas ele parecia longe e tremendo, seus olhos ficaram escuros e ele parecia assustado, Maria olhou mais afundo do poço e entrou em estado de agonia profunda. O Umbra os observava com um sorriso torto, sua figura quase dissolvendo-se nas sombras.

— Vocês nunca sairão daqui — disse ele, a voz ecoando como um trovão abafado.

— ...E dizem que, até hoje, quem passa perto daquela árvore, que pode ser qualquer uma, consegue ouvir vozes das crianças chorando — disse Pedro, com a lanterna apontada pro próprio rosto, fazendo cara de mistério.

— Aff, vô, que história mais sem noção — disse Gabi, revirando os olhos, mesmo com os braços cruzados de medo.

— Eu achei legal — disse Lucas, tremendo, encolhido debaixo do cobertor. — Mas... isso é mesmo verdade, vovô?

João sorriu, desligando a lanterna e olhando pela janela escura da varanda.

— Vai saber... só não deixem janelas abertas quando forem dormir.


Autor: Larissa Pinheiro da Silva.

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